Valor: A prova dos nove para a bolha imobiliária brasileira
Não
há nada no horizonte que represente um alívio para o segmento. Os
preços reais pararam de subir, os investidores se afastaram, os estoques
das incorporadoras estão elevados, os distratos seguem altos, o retorno
com aluguéis está na mínima dos últimos anos e, para piorar o cenário,
os juros básicos e do crédito imobiliário estão em alta
Onze entre dez analistas dão como certo que 2015 será um ano
difícil para o Brasil como um todo. E se isso é verdade, este ano tem tudo para
ser especialmente doloroso para o mercado imobiliário. Será a prova dos nove
para a disputa entre aqueles que discutem, no próprio mercado, na academia e
nas redes sociais, sobre a existência ou não de uma bolha imobiliária no país.
Não há nada no horizonte que represente um alívio para o
segmento. Os preços reais pararam de subir, os investidores se afastaram, os
estoques das incorporadoras estão elevados, os distratos seguem altos, o
retorno com aluguéis está na mínima dos últimos anos e, para piorar o cenário,
os juros básicos e do crédito imobiliário estão em alta.
Depois de subir na casa de 18% em 12 meses acima da inflação, o
ritmo de alta dos preços dos imóveis em São Paulo perdeu definitivamente o
vigor e fechou 2014 com avanço nominal praticamente em linha com o IPCA, de
acordo com o índice FipeZap. Isso significa zero de alta real.
Economia
fraca, juro alto e desemprego
Mas muito
mais importante do que ocorreu no ano passado é saber qual será o comportamento
neste ano.
Como minha bola de cristal teima em não funcionar, me limito a
analisar dados históricos e os vetores que podem influenciar o comportamento
futuro dos preços. E o cenário não é bom.
Em países com séries longas de indicadores imobiliários, como os
Estados Unidos e o Reino Unido, o comportamento típico que se observa nesse
mercado é cíclico. Movimentos grandes de alta real nos preços de casas e
apartamentos são seguidos de perdas reais, sendo que o próximo "vale"
fica num nível superior ao anterior.
A estratégia
é negar
Aqui no
Brasil não dispomos de séries de décadas, mas dirigentes de incorporadoras e de
bancos financiadores insistem em dizer que "dessa vez será diferente"
e que movimento semelhante não ocorrerá por essas bandas. No pior dos casos,
admitem que os preços vão seguir a inflação. Entretanto, ainda que esses
agentes acompanhem o mercado mais de perto do que qualquer outro, as opiniões
deles têm um viés legítimo e claro - o de proteger o próprio bolso.
O modelo de negócios de incorporação imobiliária usado no país,
em que o prédio só começa a subir depois de um volume mínimo de vendas
contratadas, sem dúvida nenhuma ajuda a controlar o excesso de oferta.
Mas nem sempre tudo corre como planejado, como evidencia o nível
recorde de estoques ao fim de novembro, de 26,5 mil unidades em São Paulo,
conforme dados do Secovi-SP (esse estoque representa mais de um ano de vendas
na capital, que somaram 18 mil unidades de janeiro a novembro de 2014).
Há alguns anos atrás, durante teleconferência de resultados da
Cyrela, um analista perguntou a Elie Horn, acionista controlador e um dos
empresários mais respeitados desse mercado, qual era o nível de estoques que
poderia ser considerado "bom". Ele não teve dúvidas e respondeu:
"zero".
O descompasso do modelo de análise de crédito usado por
corretores de imóveis, interessados na gorda comissão de 6% recebida no momento
da venda, e bancos que financiam os compradores após a entrega das chaves, bem
mais rigorosos, também não ajuda.
Distratos
em alta e lucro menor
Exatamente por isso o volume de distratos por não aprovação de
crédito segue alto, com o agravante de que agora a incorporadora está ganhando
menos na revenda (antes elas lucravam porque vendiam a unidade por um preço bem
maior do que no lançamento).
A recente elevação dos juros pela Caixa Econômica Federal, que
já tinha sido precedida por reajustes nas taxas de bancos privados, é um peso
contra adicional para a aprovação dos financiamentos, já que uma prestação
mensal maior exige renda também mais elevada, o que reduz o número potencial de
compradores elegíveis ao crédito.
Dados da Abecip mostram que não existe uma crise no
financiamento habitacional, mas já não há mais o mesmo vigor de outros tempos.
O volume liberado em 2014 somou R$ 112,9 bilhões, mas com alta nominal de
apenas 3,4%, depois de ter subido 32% entre 2012 e 2013.
O comprador investidor, que normalmente toma pouco crédito,
também está mais distante. De acordo com pesquisa Raio-X FipeZap, apenas 20%
dos que compraram imóveis entre julho e setembro de 2014 o fizeram com o
objetivo de investir. O índice era de 39%, no segundo trimestre, e de 41%, no
terceiro trimestre de 2013.
Preços e retorno com aluguel em queda
Esse
comportamento do investidor não surpreende. Nada sugere que os preços vão
seguir em forte alta como nos últimos anos - pelo contrário -, e o retorno com
aluguel segue em queda, tendo atingido a mínima de 0,43% ao mês em dezembro. E
enquanto a taxa de aluguel cai, a Selic sobe, o que reduz ainda mais a
rentabilidade relativa do investimento imobiliário.
O que ainda não ocorreu, mas que está no radar dos
macroeconomistas, é uma redução do nível do emprego e da renda real do
trabalhador.
Se o mercado imobiliário sobreviver a isso tudo sem queda real
nos preços é porque realmente não havia uma bolha.
(Valor Online - Finanças - 27/01/2015)
Doutor